"Foi uma chapada na cara, mas vivo de forma tranquila" - a esperança dos doentes de Parkinson com diagnóstico precoce

11 abril 2021
"Foi uma chapada na cara, mas vivo de forma tranquila" - a esperança dos doentes de Parkinson com diagnóstico precoce

Em Portugal existem entre 18 a 20 mil doentes diagnosticados com Parkinson e estima-se que cerca de 10% seja de início precoce. Especialistas e doentes pedem uma resposta diferenciada para as pessoas que têm de viver com a doença em idades mais jovens. Este domingo assinala-se o Dia Mundial da Doença de Parkinson.

Carmo Bastos, com 46 anos, foi diagnosticada com doença de Parkinson (https://www.publico.pt/2018/04/11/sociedade/perguntaserespostas/doenca-de-parkinson-1809637) com diagnóstico precoce aos 43 anos, mas os sintomas começaram antes. “Eu comecei a sentir alguma dificuldade em escrever, tinha alguma dificuldade em escovar os dentes com a mão direita — que é a parte do corpo que ficou mais afectada com a doença — mas nessa altura não dei grande importância”, começa por contar a portuense.

Houve uma altura em que Carmo Bastos atribuiu as suas dores ao facto de ter voltado a jogar ténis (https://www.publico.pt/2021/04/10/desporto/noticia/desportistas-venham-portugal-competir-estao-isentos-quarentena-1958010). Quando as dores começaram a ficar mais intensas, foi a um ortopedista, “mas sempre convencida de que era uma lesão”, conta. “Comecei a fazer alguns tratamentos para libertar a parte muscular, até que percebi que tinha de ser mais qualquer coisa, que não podia ser só uma lesão.” “Fui encaminhada para um  neurologista e a parti daí o caminho foi rápido, passou-se cerca de um ano”, diz. “Quando o médico me disse que era Parkinson, eu levei uma chapada na cara. Não estava minimamente à espera e fiquei horas às voltas em Lisboa a tentar digerir o que me tinham dito.”

A doença de Parkinson com diagnóstico precoce, apesar de o nome ser semelhante, é diferente da tradicional doença de Parkinson. O investigador Tiago Outeiro, especialista nesta doença, explica que neste campo existem conceitos diferentes. “Doença de Parkinson é a doença que está associada ao envelhecimento e a pessoas com mais de 60, 65 anos. Esta é a clássica”, diz. “Depois existe outra forma da doença, que aparece em pessoas com menos de 50 anos, a doença de Parkinson com início precoce. Existe ainda a forma de Parkinson juvenil, ou parkinsonismo, que pode ocorrer em pessoas com menos de 20 anos mas estes casos são muito raros”, explica Tiago Outeiro.

Josefa Domingos, neurologista (https://www.publico.pt/2021/04/07/ciencia/noticia/novo-estudo-liga-covid19-doencas-mentais-neurologicas-posteriores-1957421)especialista em Parkinson, esclarece que a doença de Parkinson surge quando, no cérebro, existe “um défice da produção de um neurotransmissor, que é a dopamina, e faz com que exista uma cadeia de alterações motoras, e não motoras”. Assim, desse défice surge a rigidez e/ou lentidão do movimento, o tremor do corpo (que pode estar ou não presente) e a perda de equilíbrio, que se manifesta anos mais tarde.

“Numa primeira fase não há sintomas visíveis da doença”, afirma Josefa Domingos. “Já sabemos que existe uma fase pré-clínica, onde os pacientes têm sintomas 20, 30 ou 40 anos antes de serem diagnosticados. Hoje também sabemos que as pessoas que combinam a obstipação, ou seja, a prisão de ventre, as alterações do sono e as alterações do cheiro, têm maior predisposição de contrair Parkinson.”

A neurologista dá um exemplo de como esta doença afecta o cérebro. “Um doente quando se está a levantar da cadeira faz um esforço muito maior do que as outras pessoas porque as funções automáticas perderam-se. O doente tem de pensar ‘tenho de colocar os pés para trás’, depois ‘inclinar-me para a frente’, e por aí fora. No final desta tarefa, a pessoa já utilizou muitos recursos quando ia correr e a pele do meu braço parecia que estava a ficar desgastada mas eu sentia-me normal, achava que era um problema de pele.” O açoriano piorou quando a estes sintomas se aliaram o cansaço e movimentos em que já não tinha sensibilidade. “Sentia mais quando lavava os dentes ou a fazer movimentos mais ‘finos’.”

"Durante quatro ou cinco meses fiquei em coma emocional"

Quando Rui foi a uma consulta de neurologia “já ia com o braço pendurado, não balançava” porque “a perda da percepção também existe”. “Eu achava que tinha a mesma capacidade motora, achava que estava bem”, diz, explicando que “quando contaram foi como se lançassem uma bomba atómica" sobre a cabeça. Vivia sozinho e por isso a sua adaptação foi mais solitária. “Quando a médica me disse que tinha Parkinson caiu-me tudo porque eu percebi a gravidade da situação. Durante quatro ou cinco meses estive em coma emocional e parecia um zombie”, confidenciou.

Em Portugal existem cerca de 18 a 20 mil doentes de Parkinson e estima-se que 10% destes sejam de início precoce, ou seja, cerca de duas mil pessoas jovens em Portugal manifestam sintomas da doença de Parkinson, segundo Tiago Outeiro.

A doença de Parkinson ainda não tem cura. Existe medicação que, aliada a outras práticas, ajuda a retardar a evolução da doença. “O que sabemos é que o exercício físico aeróbico tem uma grande influência na progressão da doença. Mas ainda nem sabemos a sua origem, ainda estamos a tentar encontrar os mecanismos que estão por de trás da doença”, informa. “O que podemos dizer é que quem faz mais exercício tem menor risco de desenvolver Parkinson.”
No mesmo sentido, Tiago Outeiro explica que é isso mesmo que os investigadores estão tentar descobrir. “A investigação é como um puzzle com muitas peças e que se vão compondo e vamos tendo mais conhecimento sobre esta doença”, refere. “Só depois de conseguirmos estudar e perceber as alterações que ocorrem no cérebro é que podemos testar estratégias de intervenção terapêutica e ver se realmente têm efeito.”

"Os doentes Parkinson têm muito potencial e uma capacidade de adaptação incrível”

Carmo e Rui garantem que o exercício os ajuda a manterem-se activos e tranquilos. “Comecei a tomar alguma medicação e retomei a minha actividade física. Hoje faço quase todos os dias exercício e de facto é o que me faz melhor, quase tanto como tomar os medicamentos”, refere Carmo Bastos.
“Eu faço acupunctura, ozonoterapia e medicação. A acupunctura ajuda-me a manter o equilíbrio dos órgãos. Também mudei a minha alimentação”, conta Rui Couto. “Apesar de eu não ter a energia de uma pessoa dita normal, ainda tenho massa cinzenta e sei decidir por mim próprio. Tenho de fazer mais rotinas de introspecção mas isso é que me motiva.”

Como têm limitações, estes doentes necessitam que haja um ajuste dos desportos e dos exercícios. A neurologista Josefa Domingos refere que esta adaptação já começou no ténis, na escalada ou no boxe. “Cada vez mais temos diagnósticos mais cedo e as pessoas mais novas não podem parar e necessitam de fazer exercício”, diz. “Hoje há muita esperança para dar aos pacientes porque eles conseguem ter uma vida normal. Os doentes Parkinson têm muito potencial e uma capacidade de adaptação incrível”, assegura.

"As abordagens e as expectativas são completamente diferentes”


Carmo Bastos defende que deve existir uma associação específica para doentes mais jovens. “Eu só falei com os meus amigos mais chegados e com os meus filhos depois de um ano e meio. Apesar de perceber que há um período em que a pessoa precisa de tempo e espaço para si, acho que não deve ter de esperar tanto tempo como eu”, relata. “E acho que para isso devia haver uma actuação mais assertiva das associações de apoio para as pessoas mais novas.”
“Quando a doença de Parkinson aparece às pessoas de 60/70 anos, em princípio essas pessoas têm filhos crescidos, a vida feita e uma carreira completa. No caso das pessoas que a têm com 30/40 anos são pessoas totalmente diferentes: alguns nem são pais e ainda desejam sê-lo, ou que já têm filhos e são pequenos”, diz a paciente. “Ainda têm muitos anos pela frente, têm de construir uma carreira, têm necessidade de trabalhar. A abordagem da comunidade tem de ser muito específica e diferente da que é feita com o Parkinson tradicional, em que as abordagens e as expectativas são completamente diferentes.”

Actualmente, só a Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson (https://parkinson.pt/?fbclid=IwAR02TN6x6d1J3lilcH9XLA5q-ibK9KC6j407zVcttzyqBNh3mgUvjU816kk) atende, esclarece e encaminha pacientes de todas as idades.

O investigador Tiago Outeiro assenta no mesmo ponto. “É muito importante sensibilizar a sociedade para estas diferenças e é preciso fazer muito por estas pessoas.” Mas como se pode fazer mais por estas pessoas? Josefa Domingos explica. “Se vêem que uma pessoa está com algum problema o primeiro passo é perguntar se essa pessoa precisa de ajuda. Porque ela pode efectivamente não precisar de nada e até desejar que a deixem em paz”, explica. “Caso a pessoa queira ajuda, o próximo passo é perguntar como a podem ajudar, porque isso também é fundamental. As pessoas não estão dementes! O Parkinson não deixa as pessoas tontas, elas vão responder.”

E por isso, Carmo deixa uma nota de esperança. “As limitações que tenho, consigo controlá-las. Tenho dificuldades em escrever, bastante rigidez de movimentos do lado direito, sou mais vagarosa nos movimentos do dia-a-dia, como a conduzir ou cortar pão. Mas o importante é assumir essas limitações e contornar naquilo que consigo contornar. Naquilo que não consigo paciência.”


Texto editado por Ivo Neto

Artigo retirado do Jornal Público - 21 Abril 2021